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Quando você aterrissa na Bahia e liga o celular, no canto da tela aparece a frase: “Procurando rede…”. Mas não estamos falando do 4G. A busca do sinal, em tom de brincadeira, remete a outro tipo de rede, aquela que a gente não demora a encontrar em algum cantinho consagrado à preguiça sem culpa. Eu não via a hora de cair em uma rede dessas e me entregar ao doce balanço baiano, sintonizando apenas as ondas do axé — palavrinha do iorubá que significa “força, poder, energia”. Mas, do aeroporto de Porto Seguro à rede mais próxima do meu mapa, havia 47 quilômetros no caminho.

Existem três maneiras de alcançar Trancoso por terra: de carro, van ou ônibus. Além disso, claro, há os jatinhos, helicópteros e barcos. O vilarejo se apresenta de forma diferente a quem chega de uma maneira ou de outra. Era um domingo de sol. Deixei de lado o conforto do transfer com ar-condicionado e segui a moda local. Do aeroporto, tomei um táxi até a balsa que leva à Arraial d’Ajuda. Depois de uma fila modesta, na balsa de pedestres, o tempo começa a correr mais lento. Nos dez minutos de travessia do Rio Buranhém, o vento sopra morno e a água respinga e refresca os viajantes nas cadeiras da embarcação. Em Arraial, saltei para uma van cujo som solta o refrão do momento: “Miga sua loka para de beber!” O hit embala o pinga-pinga estrada afora. “Sorria, você está na Bahia”, lembra?Descem rapazes, sobem mulheres e crianças. A paisagem rural distrai e não demoro a saltar na Praia do Quadrado — o grande gramado ladeado por casinhas coloridas e amendoeiras frondosas, coroado pela famosa igrejinha branca. “Sorria gostoso, você está em Trancoso”, diz uma plaquinha, dando um up-date no lema regional. Só rindo mesmo. Em que outro lugar um passante pergunta: “Onde fica a farmácia”, e a pessoa responde: “Ali, em frente ao pé de jaca”? Nas ruas de Trancoso tem sempre um pé de jaca carregado, criança sentada no batente da porta, duas moças bonitas de saias rodadas, um casal branquela com olhar perdido de quem acaba de chegar. Em terra de praias e paetês, a mistura entre caiçaras e turistas é que faz o borogodó.

REDE NA VARANDA

A primeira rede a gente não esquece. Lá estava ela, branca, com um lindo barrado, na varanda do bangalô com vista para a piscina, entre palmeiras, bromélias e hibiscos. Era a terceira vez que eu vinha a Trancoso. Desta vez, “meu puxadinho em Trancoso”, como brincou o empresario gaúcho Andre Felippe Zanonato, um dos proprietários da Etnia Pousada & Boutique, surpreendeu ainda mais. Depois de ver a pousada consagrada como endereço cobiçado em revistas como Condé Nast Traveler, Zanonato e o sócio, o designer italiano Corrado Tini, investiram no sistema de “condo-hotel”. Além dos sete bangalôs, construíram quatro villas, em que os hospedes podem se sentir em casa e usufruir dos serviços de restaurante e hotelaria — nem tão longe nem tão perto do Quadrado, o que sugere silêncio e sono com sonhos. “Trancoso é o paraíso onde se pode pecar”, diz Zanonato, lembrando uma das melhores definições do balneário baiano, publicada no New York Times. Quem chega em noite de superlua, sabendo que vai ter luau, vai logo reconhecer o terreno. No Quadrado, cordões de lâmpadas e luminárias com velas espalhadas nas mesas criam uma atmosfera mágica e cintilante. Na Igreja de São João Batista, um jogo de luzes na fachada reproduz os perfis dos passantes, como em um teatro de sombras. Para chegar a Praia dos Nativos, é preciso descer por uma ruela de terra e passar por uma ponte de madeira em meio ao mangue. Naquele começo de dezembro, não eram 10 da noite e o mar espelhava uma lua cheia de bons presságios. Pena que a fogueira já estava apagando no Uxuá Beach Club, o pé na areia cool que promove as festas enluaradas. A música tinha acabado de acabar. Mesmo assim, deu tempo de mergulhar nas almofadas das espreguiçadeiras para um banho prateado.

DEU NO NYT:
É O PARAÍSO ONDE SE PODE PECAR

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TRANCOSO

REDE DE FIBRA DE COCO

Qual é a sua praia? Depois de descer da falésia que sustenta o Quadrado, você vai ter de decidir entre virar à esquerda ou à direita do Rio Trancoso. Seguindo à esquerda, sentido norte, fica a Praia dos Nativos. Com areia macia e mar manso, tem opções de barracas como a Ilha Encantada, com menu de arroz, feijão e peixe frito, ou o próprio Uxuá, com comidinhas como salada de quinoa com camarão. Ao longe, vê-se a galera do kitesurfe, do ultraleve e do SUP, animando a paisagem. Virando à direita, sentido sul, você vai cair na movimentada Praia dos Coqueiros, que recebe excursões de um dia dos turistas de Porto Seguro. Caminhando um pouco mais, pode chegar à Praia do Rio Verde. Menos mau. Bom mesmo é alcançar as piscinas naturais da Ponta de Itapororoca, em que circulam as celebridades, ou a bela e recatada Itaquena. Isso sem falar das areias mais longínquas, como a Praia do Espelho (a 26 quilômetros de terra), aonde só se chega via van, transfer ou táxi. É tranquilo também subir na garupa dos mototáxis ou alugar quadriciclos para visitar as praias mais próximas.

No primeiro dia, melhor não se mexer muito. Naquela manhã, fazia um céu tão azul que todos os caminhos pareciam se abrir para mim na Bahia. Me joguei em uma espreguiçadeira e me permiti apenas ver a brisa passar. Eu poderia enumerar todas as mercadorias oferecidas na praia, despertando desejos simultâneos, mas não caberiam neste texto. As pulseiras de conchas e contas coloridas, os anéis e brincos esculpidos em chifre de búfalo, o espetinho fumegante de queijo coalho, a casquinha de siri quentinha… Poderia descrever a mulher negra de chapéu de palha e expressão triste que oferece massagem ou as lagostas alaranjadas graúdas servidas na manteiga. Mas nada disso falaria da essência da praia. Só fico pensando sobre quão diferente é o mundo dos turistas com suas caipirinhas a R$ 30 e o dessas pessoas que pisam na areia quente o dia todo para sobreviver.

Até que um vendedor de redes chega, fazendo sombra. William, “mas pode me chamar de Bob Esponja”, vem do Ceará negociar a beira-mar. Eu não estava procurando rede… Mas ele me chamou a atenção ao apresentar o tecido de fibra de coco como uma das sete maravilhas no tema. As mais comuns são feitas de fios de algodão. “A fibra de coco é mais resistente e mais confortável”, diz ele. Embora tenha declinado do preço de R$ 350, por um exemplar em tom cru, apurei que a medida-padrão de casal é de 3,50 metros de largura, enquanto a de solteiro tem 1,80 metro. E que rede boa, segundo o Bob Esponja, não tem costura no meio.

Depois da rápida pós-graduação em redes, me animei para uma sessão de SUP. Mas era tarde demais para atravessar o riozinho que divide a faixa de areia e a estação das pranchas. Em época de maré-cheia, a dica é marcar as atividades logo cedo. Foi o que fiz com o passeio a cavalo, no dia seguinte. O guia “Fábio da Garota” passou para me buscar de carro, às 9h30, e fomos ao simpático sitio onde ele cria cavalos e dá aulas de equitação. “Garota” era o nome de uma fazenda em que seu pai trabalhou e acabou virando sobrenome. “Modelo”, o cavalo, precisou ter paciência comigo. O percurso rural de uma hora e meia, para uma aprendiz, foi um desafio. Éramos três em fila indiana, sob o sol de rachar, com Fabio à frente, por estradas de terra. Mas a dica de manter a rédea firme, devagar e sempre, funcionou. O ponto alto foi a vista para o Vale dos Búfalos, sob a imensidão das montanhas, em que quase sempre se vê uma manada.

 

RECATADA OU CHEIA DE CELEBS.
TEM PRAIA PRA TODOS

 

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REDE DE LUXO

A próxima rede me espera em uma casa no condomínio de luxo Terravista, que abriga o Teatro L’Occitane, onde acontece o festival erudito MeT — Música em Trancoso. Erguido sobre uma falésia, em meio a um campo de golfe, com dois auditórios sobrepostos (um deles a céu aberto), parece miragem. Desenhado pelo arquiteto luxemburguês François Valentiny, é o cenário dos concertos do evento criado pela associação Mozarteum Brasileiro, que, neste ano, acontece de 3 a 10 de março. Sob a curadoria da Bahia Homes, fui recepcionada como uma rainha, com bilhete de boas-vindas e balas de coco artesanais. “A idéia é receber como se estivéssemos em nossa casa”, diz a empresaria paulistana Theresa Street. Ela e o marido, Raul Arens Street, criaram a agência que aluga casas de alto padrão em solo baiano. A “experiência Bahia Homes” pode incluir traslados, compras e passeios. De manhã, uma funcionária prepara aquele café com tapioca e bolo de fubá. A mescla de glamour e descontração é o que atrai tantos ricos e famosos para o balneário. “É um lugar em que você pode usar longo com Havaianas”, diz Theresa.

REDE GASTRONÔMICA

Da moqueca ao sushi, o Quadrado concentra restaurantes para todos os gostos. O Capim Santo é um clássico que continua merecendo a visita. Se a coisa mais boba do cardápio, um bolinho de mandioca com camarão, é de comer rezando, imagina o resto. Entre os mais novos, o Jasmim Manga, de proposta vegetariana orgânica, tem causado frisson, não apenas pelo menu inventivo, mas pelas paredes estampadas e decoração ultraflorida. Fora do Quadrado, os preços são mais convidativos e as opções vão dos carrinhos de tapioca e acarajé, que você pode provar sem medo de ser feliz, aos lugares frequentados pelos locais, como o Encontro dos Amigos, um resto bar. A poucos passos dali, está o La Cevicheria. A cozinha do jovem chef peruano Brict Villasante é das poucas, na Bahia, a receber o aval da Embaixada do Peru. Embora não tenha os peixes brancos das águas frias do Pacifico, ele trabalha bem com espécies como linguado, namorado e dourado, além do salmão. Aprendo com Brict os três segredos do bom ceviche: peixe branco, fresco e pescado com anzol. “Na rede, o peixe se debate e se machuca.” O trio de ceviches (clássico, nikkei e de salmão) e as “causas”, um tipo de escondidinho de purê de batata com abacate, acompanham bem o pisco sauer.

REDE VIZINHA

“Já foi ao forró de Caraíva?” É a pergunta que não quer calar desde que se pisa em Trancoso. Parece que, quando os habitantes se cansam do trabalho, das mesmas casas e mesmas ruas, o destino é o forró do Ouriço, na sexta-feira, ou o Forró do Pelé, no sábado. A meio caminho da balada, meu itinerário inclui ainda uma rede na Praia do Espelho. O que há de extraordinário nessa praia? Quando a maré baixa, formam-se pequenas piscinas, espelhos-d’água. Daí o nome e a necessidade de consultar a tábua de marés antes de encarar a estrada acidentada até lá.

Quem viaja sem saber como é Caraíva se pergunta como será o famoso Boteco do Pará, o forró, a igrejinha, o encontro do rio com o mar. Depois de chacoalhar por 40 quilômetros de terra, a travessia de canoa para a outra margem do rio, onde fica a vila, transporta a um cenário único: as ruas de areia, as janelas iluminadas, os cafés e restaurantes enfileirados. Existe uma vibração telúrica em Caraíva. A cerveja gelada com pastel de arraia, do Boteco do Paré, é tudo o que você pediu a Deus. A música ao vivo nos bares do Beco da Lua é o esquenta para o forró, onde turistas faceiras e caiçaras dançam juntinhos. Vai-se embora de Caraíva desconfiando de que o lugar tem algum feitiço.

De volta a Trancoso, uma saideira em grande estilo me aguardava na Pousada Estrela d’Agua, onde o guitarrista Keith Richards, dos Stones, havia se escondido na última semana. Pé na areia, conhecida por ter sido a casa da Gal (Costa, cantora), a Estrela tem espumante no café da manha e, não contente com as redes na varanda, oferece um redário no jardim. Um banho de mar no meio da tarde selou meu destino com Trancoso. Conversando com Iemanjá, criei coragem para pedir apenas o que mereço. Com a linha do mar à frente, viajei nas formas que o acaso dá às nuvens, tentando reconhecer figuras… Um peixe, uma sereia, uma rede…

E AINDA TEM A PRAIA DO ESPELHO E CARAÍVA

 

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Fonte: Revista Viagem e Turismo

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